quinta-feira, 11 de agosto de 2011

MIGUELITO E O TEAR DE PENÉLOPE!

Penélope e os pretendentes (1912). John William Waterhouse

Penélope estava aflita vendo seu palácio invadido por uma corja de homens inescrupulosos que, pouco a pouco, devoravam toda riqueza de seu reino, de sua amada Ítaca. De quebra, eles ainda disputavam quem sucederia o trono de Ulisses (em grego seu nome era Odisseu). Ulisses partira para Tróia havia mais de uma década e as esperanças de sua volta se dissipavam como o vento. Penélope, sua fiel e amada esposa, tecia uma peça em seu tear durante o dia e à noite, secretamente, desfazia boa parte do trabalho. Forma de ganhar tempo com seu pai e seus pretendentes e adiar o casamento. Era a única a acreditar na volta do Rei guerreiro. Numa tarde com o sol já se pondo no horizonte Miguelito nos conta que voou para dentro do quarto de Penélope e se pôs a observá-la do alto do tear. Mergulhada em profunda tristeza, Miguelito se apieda da pobre esposa. Já aprendera com Nietzsche que “Só deveríamos falar quando não é possível calar!”, mas não se conteve.
- Oi? Boa tarde Senhora!
- Por Zeus, não há ninguém aqui e estou a ouvir vozes?
- Aqui senhora, no tear, em cima! Olhe para cima!
- Por Poseidon, quem é você? Ou melhor, o que é você?
- Me chamo Miguelito, e sou o último dos besouros sapiens.
- Inteligente? Um besouro? Achei que apenas os deuses e nós fossemos inteligentes.
- Isso é parte de um orgulho tolo de sua espécie. Por falar em inteligência, que peça linda a senhora está tecendo.  Por que está começando a desfazê-la?
- Prometi para meu pai e esses usurpadores que invadiram minha casa que quando terminasse me casaria com um deles.
- A senhora é viúva? Por sinal, como se chama?
- Penélope e não sou viúva, apesar de todos tentarem me convencer que meu Ulisses morreu e não voltará jamais.
- Ulisses, o astuto?
- Você o conheceu? Ele está vivo? Por todos os deuses, você é Hermes, o mensageiro de Zeus?
- Não, de jeito nenhum. Já me confundiram com um heroi grego em Tróia. Uma confusão senhora!
- Tróia? Você esteve lá?
- Foi lá que conheci seu marido. Uma “figuraça”, inteligente. Como é esperto, hein dona Penélope?
- Minha alma transborda como uma ode. Não me trazes notícias Miguelito, trazes remédio para minhas dores. E como ele estava?
- Xééééé´..o “home” é uma fortaleza dona!
- E ele ainda está vivo?
- Olha, depois que derrotei Heitor, a guerra prosseguiu por longos anos. Os gregos já estavam a desistir. Foi quando Ulisses teve uma ideia genial.
- Ele sempre foi muito astuto mesmo. Que ideia foi essa?
- Tróia possui as maiores muralhas que eu já tinha visto. Suas paredes parecem Titãs, gigantescas. Ulisses pensou então em construir um cavalo de madeira enorme. Lá colocaram os melhores soldados e Aquiles. Então, o cavalo foi deixado em frente aos portões da cidade. Adivinha?
- Já sei Miguelito! Eles acharam que era um presente de Apolo pela vitória?
- Bingo!
- Bingo? Estranho! Mas se os gregos saíram vitoriosos, porque ele não voltou? Será que se apaixonou por alguma  grega mais jovem? Desgraçado! Mulherengo, não pode ver um rabo de saia!
- Calma dona Penélope. O ciúme é o pior dos vícios!
- Miguelito, você será minha salvação!
- Chiiiiiiii....”sobrou pra mim o bagaço da laranja...sobrou pra mim o bagaço da laranja”.
- Música estranha. O ritmo até que é bom.
- É pagode dona Penélope. É o canto das sereias, ou melhor, a dança das sereias. Ainda bem que seu marido nunca foi a uma roda de samba. Nem amarrado ele resistiria!
- Vou vestir você com minhas roupas Miguelito e vou ensiná-lo a tecer. Com tantas patinhas você poderá ludibriá-los por muito tempo.
- Nem pensar! Vestir-me como mulher?
- Calma! Você terá tudo o que precisa aqui, comida, bebida, umas besourinhas quando desejar, à noite pode sair um pouco, caminhar pela praia. É só tecer durante o dia e desfazer à noite. O que acha?
- E a senhora vai fazer o quê enquanto isso? Tratamento estético, depilação, chapinha, manicure, lipoaspiração, vai aplicar botox, vai “dá” uma siliconada?
- Fiquei curiosa. Mas não tenho tempo, depois você me conta. Você será o meu hóspede de honra Miguelito.
- Já ouvi isso antes dona Penélope. E no final, só me ferrei!
- Aposto que eram homens. Que tal dar crédito a uma mulher? Hein?
- É verdade, acreditar nos homens é uma maldição. E a senhora me parece uma boa pessoa. Então, “diga ao povo que fico”.
- Miguelito, serei eternamente grata e, no final você será muito bem recompensado. Adeus!
- No final né? Por que até agora, só castigo! Mas enfim, adeus!
(Feliz e bem disposta, Penélope se retira e chama seu filho Telêmaco).
- Telêmaco meu filho. Ouça bem. Vou buscar seu pai.
- Então, vamos juntos.
- Não filho. Preciso que você fique aqui. Traga-me 10 dos melhores soldados de Ítaca. Diga a todos do reino que estou acamada com uma doença mortal, altamente contagiosa e que ninguém me visite.
- Mas por que tudo isso?
- Não posso explicar agora. Há um ser, é um besouro que fala. Bom, ele ficará tecendo por mim, você vai conhecê-lo. Dê tudo o que ele pedir. Mas escute: tranque aquele quarto e não deixe aquele besouro sair de lá até minha volta. Entendeu?
- Sim mãe. Mas e se a senhora demorar?
- Não o deixe sair, em nenhuma hipótese. Ordens de mãe e rainha! E descubra o que são todas aquelas coisas de lipo, botox, silicone que ele mencionou. Adeus filhote. Amo-te!
- Eu também mãe. Que os deuses a protejam!
(Telêmaco volta para o quarto da mãe).
- E aí meu caro. Precisa de algo?
- Ahhh...senhor, gostaria de sair um pouco e bebericar algo.
- Nem pensar. Você está muito doente e sua doença é contagiosa.
- Doente? Eu? Ficou louco rapaz? Ahh..já sei? Brincadeirinha né?
- Se não estava, acabou de ficar!
Odisseu e o canto das sereias

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