sábado, 6 de agosto de 2011

PLATÃO X NIETZSCHE – 2º Round

Apolo, a razão, a harmonia, o equilíbrio, a ordem!

Depois que tomamos nosso primeiro Porto, a distância milenar que separava dois dos maiores nomes da Filosofia parecia estar diminuindo. Platão falava dos Banquetes com mais leveza, sem aquela seriedade que sempre marcou sua persona. Já Nietzsche, rindo, mas ainda desconfiado, também estava mais solto. Pensei: um bom vinho sempre encurta a distância entre aqueles que se admiram, ou, nesse caso, nem tanto. O ar leve e descontraído foi bruscamente invadido por um tufão quando Platão voltou-se para Nietzsche e começou a inquiri-lo. Platão saíra perdendo no último encontro, queria dar o troco. (Pensei: Platão é como minha mãe, empata, mas não perde!).
- Senhor Nietzsche, o senhor fez menção de que eu vivo em outro mundo. Certo?
- Você e Sócrates não criaram dois?
- Você acredita apenas nesse mundo em que vivemos?
- É o único efetivo, o único que está diante de mim!
- Então a vida se resume a essa tal efetividade da qual o senhor fala?
- Já disse em uma de minhas obras que “não há nada que nos conduza para além da vida”, o resto é tagarelice sua e dos cristãos.
- Quem são esses cristãos?
- Aqueles que fizeram plágio de sua Filosofia!
- Como assim? Uma cópia?
- Perfeitamente, modificando algumas palavrinhas.
- E essa Filosofia ainda existe?
- Essa pergunta eu não poderia responder. Afinal, eu não vivo no século XXI, não sou deste mundo. O itapevense aqui é. Até desconfio que os espíritos livres ainda estejam por vir! Eu nasci póstumo!
- Ahhh..está vendo Nietzsche? Você também fala de outro mundo!
- Platão....você está usando a ironia de seu mestre. Gosta de deixar o ônus da prova com seu oponente. Aprendeu bem!
- Você disse que só existe esse mundo, não foi? E agora fala que não vive nesse?
- Só há um mundo Platão, mas há muitas histórias, muitas maneiras de dizê-lo!
- E você acredita na História Nietzsche? Não acha que ela é mais doxa (opinião) do que episteme (ciência)?
- Já disse que o que sempre faltou aos filósofos de todos os tempos foi senso histórico.
- E o que é ter senso histórico?
- É saber que o discurso histórico deixa lacunas, não preenche tudo. Que a história é sempre contada pelos vencedores. É estar ciente também de que o que você diz agora, algum idiota irá usar em benefício próprio no futuro como se fosse algo que ele próprio inventou. Nossa razão é uma “mestra do disfarce”. A maioria dos homens vive em “glória de empréstimo”!
- Nossa, o senhor é bastante duro com os homens! Por isso usa essa tal... como é mesmo? Metáfora do martelo? Para destruir tudo?
- Não dá para construir sobre aquilo que foi edificado sobre escombros. E vejo que começou a concordar comigo Platão!
- Compreendê-lo não significa estar de acordo com o senhor ou aceitar suas ideias! Você deveria ter aprendido isso em suas aulas de Filosofia. Vejo que seus mestres não foram tão bons assim!
- Mais uma vez a ironia de seu mestre! Para o filosofar do porvir é preciso ter “espírito livre”, não apegar-se a nada em absoluto, parir seus próprios valores, ser senhor de si mesmo. Não agir como a maioria, que vive em rebanho.
- O senhor fala em espírito, mas não acredita na imortalidade dele?
- Palavras são esconderijos, já disse isso. Também falo em razão, como algo menor, não como se ela fosse algo diferente do corpo ou maior que ele. Por sinal, de onde você tirou essa ideia? Uma alma separada do corpo? Pré-existente? Que viveu num mundo ideal? Que é prisioneira do corpo?
- Que sentido teria a vida se não houvesse outra?
- O sentido que quisermos dar a ela! Os gregos antes de vocês criaram a tragédia e olhavam a vida extasiados diante do drama, da dor e também da alegria. Por isso eram nobres! Viviam entre o apolíneo e o dionisíaco, o equilíbrio e a extravagância, a sanidade e a loucura!
- Mas não fica uma sensação de vazio absoluto? Viver para que então? Para morrer? Dormir eternamente sem nenhuma vaga lembrança do que fomos?
- Ahh...reminiscência....”conhecer é relembrar”, agora entendo! Outra vida para justificar essa. O paraíso depois para justificar o inferno que é viver nesse mundo! Ou o mundo dos enganos como você e Sócrates dizem.
- Nunca falei em paraíso e inferno. Falo em mundo inteligível e mundo sensível!
- São as tais palavrinhas que os cristãos modificaram Platão.
- Mas então o senhor não deseja absolutamente nada da vida? Apenas aguarda a morte?
- Não sou um niilista, se é o que imagina!
- Nem imagino o que seja um niilista. Parece uma palavra derivada do grego, não é?
- Na verdade é latim, mas deixa pra lá. Já critiquei demais Schopenhauer por isso, para ele a vida é puro sofrimento, por isso desejava o nada. Sua filosofia era um budismo para filósofos.
- Bom, dizem que o senhor destruiu o conceito de verdade, não é mesmo?
- Foi uma de minhas intenções. Por sinal, eu não escondo minhas intenções. Sei que “não há nenhum impulso sincero à verdade”.
- Mas como conseguiu destruir uma verdade sem colocar outra no lugar? Quando você diz: não há a verdade, ela é um batalhão de metáforas, isso não se torna uma verdade? Negar a própria verdade, já não é aceitar uma? Não te parece uma antinomia, um paradoxo, uma contradição?
- Bom Platão.......aceita outro Porto? Por sinal, esse vinho é muito bom, não é? Me diz uma coisa, Sócrates existiu mesmo ou você o tirou desse seu cabeção? Por que ele não veio?
- Vejo que é bom em retórica, senhor Nietzsche! Mudança de foco?
- Não tenha pressa Platão. Filosofar é pensar demoradamente!
- Então precisa de um tempo, não é?
(Pensei: Huummm...Platão deu uma martelada....agora pega fogo. Só o vinho não vai resolver!).
- Garçom? O cardápio por favor!....Senhores, que tal algo mais forte? Itapeva é fria demais. Notaram?  Acho que o tal aquecimento global não vai chegar por aqui nunca!
Dionísio, o vinho, a festa, a dança, a extravagância, a loucura!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários que não tenham como finalidade promover o crescimento intelectual e espiritual de todos, bem como tornar possível uma dialética minimamente respeitável e saudável, serão excluídos. No mais, pode tecer seus comentários e críticas sem restrições.