sábado, 30 de abril de 2016

A Constituição não é um "Livro Sagrado".

Quando a doutora Janaína ergueu a Constituição Federal e disse que aquele era um livro sagrado, ela cometeu um erro jurídico, epistemológico e político. Porque os Livros Sagrados são inalteráveis, o que garante o fundamento seguro de uma religião (cristã, judaica, islâmica ou hindu). E não estou me referindo a possíveis interpretações do texto sagrado, o que pode abrir distintas visões sobre o mesmo fato. Nossa Constituição Federal é fruto de um longo processo histórico, de lutas e antagonismos para a reconstrução da democracia e do Estado de Direito. Mesmo a colocando como norma fundamental a ser seguida (na linha da obediência hierárquica proposta por Kelsen em sua Teoria Pura do Direito), isso não significa que a conferimos título de permanência imutável no tempo-espaço. Portanto, no tempo histórico, podemos como sociedade modificá-la ou emendá-la parcialmente dentro das regras estabelecidas no próprio ordentamento jurídico, e não ao arbítrio de quem quer seja, ainda mais quando se trata de nossa Suprema Corte. Qualquer tentativa de golpear a Constituição, o Estado de direito e a ordem jurídica deve ser combatida energicamente pelo Supremo, especialmente no tocante ao que chamamos de cláusulas pétreas, como é o caso do Artigo 5º da CF de 1988 que trata sobre a presunção de inocência (que por sinal é muito preciso conceitualmente e não abre margem para interpretações, seja de de caráter hermenêutico ou júridico-político). Tais cláusulas, ou a mudança de ordem jurídica, ou ainda uma mudança integral de nossa Carta Magna somente deve ser feito via processo Constituinte. Se permitirmos que isso seja feito como exceção em nome de qualquer fim que se deseje, como o combate à corrupção por exemplo, abrimos precedentes perigosíssimos para o arbítrio e o autoritarismo. A democracia, assim como as leis, estão em processo contínuo de construção e reelaboração sim, não são estáticas, não fixam dogmas, mas a alteração de seus fundamentos devem ser feitos dentro das regras do "jogo" jurídico. A religião não pode, em nenhuma hipótese,  alterar seus dogmas sob pena de ruína e quebra dos laços que a alicerçam. Os laços que garantem e fortalecem a democracia são consensuais, ainda que haja heterogenia de pensamentos e ideologias, bem como defesa de interesses antagônicos ou de minorias, o que por sinal é salutar ao processo democrático. Religião pensa unitariamente. Democracia busca a unidade no diverso, sem que o diferente tenha que morrer. E muitas religiões matam o diferente em nome de Deus e de Alá. Por isso doutora Janaína, se é para ler algo sagrado, leia a Bíblia ou o Corão. Recomendo o Rig Veda.

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