segunda-feira, 25 de maio de 2015

O problema é gente demais?

Num insigth de inteligência, desses lapsos que só acontecem uma vez na existência tive uma profunda desconfiança: o problema do mundo é gente demais!
Passei então a inverter o raciocínio e pensar o mundo com gente de menos.
Com menos gente, governos economizariam bilhões em programas sociais.
Com menos gente, até mesmo o erário público investido em estradas, hospitais e escolas poderiam ser reduzidos drasticamente.
Com menos gente, nosso trânsito deixaria de ser caótico, estressante e pouco eficiente. 
Com menos gente, menos transporte, menos poluição. Mais ar puro!
Menos gente significa menos consumo. Portanto, menos produção e menos lixo. Sustentabilidade!
Menos gente nos leva a pensar até mesmo em menos desemprego, menos pobreza, menos sofrimento.
Com menos gente diminuiríamos a competição, a inveja, a ambição, o ódio, a xenofobia, o preconceito e a intolerância.
Com menos gente, o mundo seria mais leve e menos pesado.
De repente meu raciocínio paralisou.
Lembrei de minhas lições de catequese.
No início eram quatro. E Caim matou Abel!
O problema não é gente. É a gente!

segunda-feira, 23 de março de 2015

O que é a família tradicional?

             Há pouco li um belo texto de uma colega professora sobre os exemplos de família tradicional presentes no Antigo e Novo Testamento. Com tantos belos "exemplos", confesso que minha família não se encaixaria em nenhum deles. Resolvi então exercitar minha memória e tentar qualificar se ela se enquadraria ou não no que supostamente seria hoje o modelo de família tradicional que todos querem defender e trazer de volta como um tesouro enterrado.
             Família tradicional é aquela em que os filhos ao chegarem em casa encontram seus pais com os braços abertos para dar-lhes atenção e carinho, ouvir-lhes suas intrigantes histórias do que aprenderam ou vivenciaram na escola?
          Minha família não era nada tradicional. Meu pai trabalhava de dia em um supermercado e à noite vendia pipoca. Minha mãe, quando não estava no tanque, estava na máquina de costura. Apenas dizia que a comida estava no fogão e um de nós teria que esquentar porque a encomenda não podia esperar! Nem a fome!
            Família tradicional é aquela em que todos se reúnem em volta da mesa para juntos repartirem o pão de cada dia, orarem ao Senhor e ouvir respeitosamente o que o patriarca tem a nos dizer?
     Minha família não era nada tradicional. Normalmente comíamos na sala assistindo televisão. Eu sei, que péssimo hábito seus pais permitiam. Calma, não se precipite! Nós adorávamos aquilo e isso não fez de nós retardados ou alienados! Já o patriarca, quase sempre ausente, nada tinha a dizer, pois trabalhar era preciso. E quando chegava,normalmente os ouvidos já estavam silenciosos.
           Família tradicional é aquela que reparte da forma mais justa e igualitária o pão, a bolacha e o biscoito?
        Minha família não era nada tradicional. O pedido do mês era o pedido do dia. E a partilha justa só era possível se todos estivessem presentes quando o caminhão do supermercado chegava. O atrasado saía sempre injustiçado!
           Família tradicional é aquela em que os pais definem muito bem o papel de meninos e meninas, corrigindo atos que se desviam do "tipo médio" como dizia Durkheim?
         Minha família não era nada tradicional. Éramos incorrigíveis! Vassoura e bucha de pia na mão dos meninos! Enxada e pá para as meninas! Nossas roupas (nem posso afirmar com exatidão se as íntimas escapavam à regra) não tinham gênero, nem sexo!
        Família tradicional é aquela em que os pais sempre dialogam com seus filhos sem nunca fazer uso de qualquer violência? Afinal família é amor, respeito e compreensão, não é?
        Minha família não era nada tradicional. Alí o coro comia e o chinelo corria solto. E depois de umas boas palmadas, ouvíamos sempre a ameaça: não está bom pra você? Pois saiba que tem gente pior do que a gente. Então senta e come! Pega esse sapato, veste e vai pra escola! Nem por isso fiquei reprimido, recalcado, deprimido, sem senso de sentido para a vida. Não tinha tempo de pensar em tantas querelas metafísicas! Era preciso viver. E vivíamos muito!

      Ainda bem que minha família nunca foi tradicional. Temos nossas diferenças, mas acredito que a vida e nossos pais nos ensinaram a ser mais fortes e mais tolerantes! 

quarta-feira, 4 de março de 2015

O novo é sempre um retorno!

Determinadas áreas do saber não prescindem de uma leitura ou conhecimento de sua história. É possível, e não raras vezes recomendável, que se inicie pelo seu estágio atual. Na medicina, por exemplo, a na são ser por curiosidade intelectual, acredito que quase nenhum graduando estude os escritos sobre a ótica de Descartes, visto que há muito suas hipóteses científicas foram superadas.
O mesmo valha talvez para a química, a física e a biologia. 
No caso das humanidades, ou das hoje chamadas "ciências humanas" (até não gosto muito desse título, pois toda ciência é produção humana), o mesmo me parece um erro metodológico e intelectual. Ainda que muitos defendam o fim da linearidade histórica, não há como negar a influência do passado na elaboração do debate contemporâneo das humanidades sobre o que quer que seja. Nietzsche, talvez o mais contemporâneo dos contemporâneos fundamenta sua análise filosófica sobre a obra de Platão e Kant principalmente, a eles endereçando seu martelo demolidor de valores. Portanto, ler Nietzsche sem voltar ao passado (ou pelo menos conhecê-lo na superfície) é fazer apenas exercício literário sem grandes pretensões. O que também é válido como exercício intelectual e poético no caso de Nietzsche.
Portanto, a você que escolheu as humanidades, sinto em dizer que terá um longo e duro trabalho pela frente. Um trabalho de geólogo, de arqueólogo do saber, de escavador das camadas que se sedimentaram e se tornaram verdades absolutas! Mas ele lhe propiciará um olhar mais profundo e atento. Um pensar mais lento e cauteloso na corrida contra o tempo na qual o mundo se lançou! Não se espante e nem se intimide. Muitos acharão que você atrapalha o andar da carruagem. Mal sabem eles que você estará apenas a compreender porque tanta pressa!