terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Discurso de formatura 3ºA SESI - 2021

 Boa noite a toda comunidade SESI aqui presente nessa noite tão especial.

É sempre uma honra representar todos os meus colegas professores e professoras como paraninfo de turma. E sempre dá um friozinho na barriga, não é Márcia? E aquela voz interior com a qual eu falo em silêncio ou na frente de todo mundo mesmo, sempre escreve em caixa alta nessa época do ano: Não vai dar meu filho!. Poucos segundos depois, ela mesma soletra bem baixinho no canto do ouvido: você está no SESI e esse terceiro vai te matar. Bendito superego! Respira e cria. Você é bom nisso! Pronto, sabe aquele traço narcísico bem pequenininho que esse professor tem? Então, vamos lá!

Entre deuses, filósofos e formandos!

Não gosto muito da ideia de ciclo que se encerra, porque o que é cíclico não tem exatamente um fim, ou pelo menos, sempre retorna em algum momento da vida. Como disse meu professor de psicanálise: a criança sempre irá perguntar se tem que ser à caneta ou pode ser a lápis. Pelo menos as de xizinho, né galera? Esse pequeno exemplo nos mostra o quanto certas experiências e aprendizados nos marcam profundamente e sempre estarão lá. Você não vai deixar a escola, nem as experiências que aqui viveu, tampouco as pessoas com quem dividiu risos, abraços e choros. Cada sucesso e fracasso, cada palavra terna ou mais dura, cada gesto de afeto ou cada golpe no coração, o primeiro dez, a primeira reprova, o primeiro bola fora, o primeiro não, a primeira paixão, o primeiro desgosto, o primeiro dia de aula, a primeira professora, a primeira aula de filosofia e sociologia. Tudo isso é o tecido que nos forma, que nos molda e que nos transforma. E é preciso olhar para todos esses momentos e experiências com ternura e olhar apurado, com sinceridade, mas também leveza, com o olhar da crítica, sem se esquecer de estender as mãos da gratidão. E voltar, voltar sempre que preciso, sempre que necessário. Porque se não voltamos, ele volta, como passado, como “roupa que não me serve mais”, mas que também não podemos mais vender, nem doar, nem se desfazer.  Melhor abrir o guarda roupa e deixar que ela se mostre. Voltar repetidas vezes e ir ao encontro dela, da sua roupa.

Voltemos então! E no começo eram os deuses, era a luz inebriante do Olimpo. Professor, mitologia é muito da hora. Quando teremos aula disso de novo? Mas o que os deuses teriam a nos dizer, pobres mortais? Que eles nos invejam, por isso nos alçam aos louros da vitória e ao drama da tragédia. Ohh, quantas vitórias e tragédias não viveu cada um de nós, mas especialmente cada um de vocês durante todos esses anos, estimados formandos e formandas.

Deixemos os deuses em sua eternidade. Como dizia Epicuro, são felizes e plenos e não se ocupam da vida alheia. Ahh, então, cuidado com a bolha, cuidado com o Insta heim! Eu sei: face já era professor!

E os filósofos? Valeria trazê-los de volta? Calma, não é para o vestibular, nem para o ENEM, nem PSS. Apenas algumas lembranças do passado que podem servir como roupa customizada no futuro.

Busque o equilíbrio e será feliz (o desenho da balança, lembram?). A virtude está no meio termo. Mas e é fácil Aristóteles? Não! Vez ou outra passe da conta, ou sequer saia do lugar. Ou, como disse um outro professor do meu curso: o segredo não é o equilíbrio, mas equilibrar-se!

Saia um pouco do mundo sensível, não viva só em função da matéria ou da alma concupiscente (lembram do desenho do hominho? Quase um vitruviano, né?). Viaje para outros planos, mundos inteligíveis, planetas não habitados. Leia, leia, leia. Mas volte, volte e grite dentro da caverna: saí daí ignorância! É fake neeeewssss pô!

Entenda que a felicidade está nas coisas mais simples, e se você não for capaz de ser feliz com pouco, jamais será com muito. Mas Epicuro, posso considerar um caixa de chocolate, uma bela picanha, coisa simples? Pode vai, tá meio salgado né? Só não exagera! E não se esqueça que amigos são melhores que o melhor churrasco. Se conseguir juntar as duas coisas, aí é muuuuita felicidade. (E que os veganos nos perdoem a blasfêmia).

E quando as coisas não estiverem em meu controle ou não dependerem de mim? O melhor é relaxar, tranquilizar o coração e não se desesperar. Um pouco de estoicismo não fará mal a ninguém! E, em certa situações, não levante grandes expectativas. Quem é corintiano, como eu, aprende isso desde muito cedo.

Aaa, mas eu também terei que fazer escolhas, tomar decisões. Sim, dia após dia. Algumas serão bem difíceis, tipo escolher um filme na Netflix. Eu já desisti umas duzentas vezes. A vida não é um catálogo da Netflix, mas desistir também poderá ser uma opção.

E quando tiver dúvidas? Que bom, né! Sem dúvida não é possível chegar a certeza nenhuma. Descartes estaria até hoje sentado no porto a pensar se o navio é grande ou pequeno. Ou se enganando com tudo que vê no Tik Tok. Use filtro, mas com moderação! Os sentidos enganam!

Mas e quando eu tiver certeza, certeza, certeza mesmo? Lembre-se com Hume que há sempre um 0,001% de probabilidade de estar errado. A bateria do celular pode acabar ou a natureza contrariar suas previsões. Aaahhh, e a pessoa que estava com o pren drive faltar exatamente no dia da apresentação. Eu disse: faz no online e compartilha meu pai amado! Isso você deve levar pra faculdade. Lá não desconta só 20% da nota não!

E quando eu não souber o que fazer ou não tiver certeza se é o certo a fazer? Lembre-se de Kant. Eu quero que todos façam o mesmo? Se fizessem comigo, seria bacana? Não precisa lembrar o nome dos imperativos, isso não importa mais. Importa que aprendamos a pensar e agir coletivamente. Não, também não precisa todo mundo gostar de sertanejo universitário. Aí o imperativo é hipotético mesmo! Nada de categórico!

E quando nada fizer sentido? Busque um! Quem disse que a vida já vem com uma bula de recomendações e efeitos colaterais? Nos tornamos pelas escolhas, como diz Simone de Beauvoir. Amor fati, como diz Nietzsche. Amar o que somos, amar a vida, amar esse momento, amar com todas as forças do corpo e do espírito. E partir para ser espíritos livres, capazes de pensar por si mesmos, esclarecidos, com desejo de um mundo mais justo e mais humano. Humanizar as relações. Deixar as coisas serem coisas. Tirar das coisas os sentimentos para os recolocarmos no lugar de onde jamais deveriam ter sido tirados: de dentro de nós mesmos. Sentimento é coisa de humano. Se formos capazes de nos revoltar e não nos calar diante da injustiça, do racismo, da intolerância e do preconceito, estaremos já sendo subversivos, revolucionários, porque há ainda em nós SENTIMENTO, porque o “pulso ainda pulsa” e somos capazes de ir, mas também de voltar.

É com um sentimento de terna gratidão e imensa felicidade que desejo saúde, luz e sabedoria! Corujas, estimados estudantes, muitas corujitas!

Ahhh, e pode fazer a lápis sim! E compre uma borracha também!