sexta-feira, 12 de julho de 2019

Os fins justificam os meios? Talvez!


"Os fins justificam os meios."
A frase acima, indevidamente atribuída a Maquiavel, visto que não podemos encontrá-la literalmente em parte alguma de sua obra, ganhou destaque no cenário político brasileiro pós VazaJato, sendo ponto nodal nas discussões entre os meios utilizados e os resultados alcançados pela Operação Lava Jato no "combate" à corrupção  . Mesmo aqueles que nunca abriram o pequeno-gigante "O príncipe" do filósofo florentino, apresentam tal argumento como se fossem especialistas no que é uma verdadeira"revolução copernicana" em teoria política. "O príncipe",  sempre atual, é  leitura  imprescindível para compreender os meandros do universo político (aqui no sentido de conquista e manutenção do poder de dominar). Maquiavel não apenas escreveu sobre política, mas a viveu como experiência tendo sido Chanceler da República e Comissionado no Conselho dos Dez da Guerra numa Itália renascentista onde reinava grande confusão,  dividida em inúmeros principados governados por dinastias despóticas, como é o caso dos Médici em sua querida Florença. Preso em sua própria "casa" acusado de traição, oscilando seus dias entre o jogo de cartas com a gente simples do vilarejo durante o dia e a leitura dos clássicos durante a noite (quando dizia vestir suas melhores roupas para estar à altura dos grandes) é que Maquiavel redige uma das maiores obras do Renascimento, comparável talvez ao Davi de Michelangelo em grandeza e realismo. Recomendo a leitura de toda a obra.  Mas o leitor contemporâneo mais "apressado" e que não gosta de textão (acredito até que alguns já desistiram), pode dirigir seu olhar ao capítulo XVIII, pois as ideias mais "maquiavélicas" de Maquiavel ali encontram seu ponto mais alto. É onde poderemos ler o que levou o mundo político a cunhar o pomposo "Os fins justificam os meios". Apreciemos para ver até onde estão certos os defensores do sistema jurídico da República de Curitiba,  que carinhosamente chamei entre amigos de morolaw, quando o utilizam para destruir os "defensores da roubalheira generalizada". Assim são rotulados os que criticam os heróis nacionais e seus métodos. Deixemos falar o mestre:
"Todos veem o que tu pareces, poucos o que realmente és, e esses poucos não ousam contrariar a opinião dos que tem a seu favor a majestade do Estado. Nos atos de todos os homens, em especial dos príncipes, em que não há tribunal a que recorrer, somente importa o êxito, bom ou mau. Procura pois o príncipe vencer e preservar o Estado. Os meios empregados sempre serão considerados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo se deixa conduzir pelas aparências e por aquilo que resulta dos fatos consumados, e o mundo é composto pelo vulgo, e não haverá lugar para a minoria se a maioria não tiver onde se apoiar."
Onde está a pequena frase que destrói qualquer argumento contemporâneo (pelo menos onde não há um regime despótico ou ditatorial) de que os meios poderiam ser ilícitos se os fins forem nobres e justos?
Bingo: "[...] em que NÃO HÁ TRIBUNAL a que recorrer [...]"
Vivemos sob a égide do Estado Democrático de Direito. Há aqui tribunal, lei e sistema jurídico.
Maquiavel não estava errado. Muitos hoje acredito que estão!
O Tribunal terá que dizer.
Ou a História falará pelo Tribunal e sobre ele!

Referência bibliográfica: MAQUIAVEL, N. O príncipe. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Nova Cultural, 2004.