quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Discurso de formatura 3ºA - SESI Itapeva 2018



Cada doido com seu carrinho de mão
Dias atrás ouvia o saudoso Ariano Suassuna e suas maravilhosas narrativas de vida, capazes de transformar o ordinário em extraordinário, o singelo em profundo, o encontro em despedida. Contava ele que seu pai, João Urbano de Vasconcelos Suassuna, então governador da Paraíba, construiu um hospício com o nome de “Casa de Saúde Juliano Moreira”, esse precursor no Brasil da chamada “Psicoterapia pelo trabalho”. No dia da aula inaugural desse método de tratamento, surge uma fileira de “doidos”, cada um transportando um carrinho de mão. No entanto, um dos pacientes arrastava sua carriola de cabeça pra baixo. O pai de Ariano vai até ele, desvira a carriola e diz “É assim que se carrega moço”. Ao que o “doido” respondeu: Eu sei doutor, é que se eu fizer assim eles colocam pedra pra eu carregar”. “Gênio” concluiu Suassuna numa deliciosa gargalhada.
Suassuna dizia admirar os loucos porque “os doidos veem as coisas de um ponto de vista original”, sendo esta também uma característica do escritor verdadeiro que não vai atrás do lugar comum, mas procura o que tem de verdade por detrás da aparência. Ouso dizer com Antonio Gramsci que sair do senso comum para buscar o bom senso ou o pensar crítico próprio do filosofar é desafio de todo ser humano, de cada um aqui presente, especialmente de vocês caros formandos. É preciso ser um pouco “doido” para ver por detrás das aparências e perceber
Que o aluno mais inteligente da sala pode ocultar profundas inseguranças diante da primeira queda.
Que o aluno com as maiores fragilidades pode aprender a lidar com suas fraquezas e se tornar forte diante das tormentas que a vida traz. E muitas virão!
Que o professor mais legal da faculdade pode ser o que menos ensina. E aquele que todos desdenham e detestam pode ser o que tem mais a oferecer.
Que o que diz ser o melhor amigo e brinda sua saúde, pode não ser o mesmo que o ajudará a levantar quando vier a primeira queda e a primeira lágrima.
Que a garota e o garoto mais bonitos da sala também podem ser os mais arrogantes e, quem sabe, vazios.
Que a mais bela paisagem pode ser o mais terrível deserto. Que o mais terrível deserto seja talvez a chance de ver a mais bela paisagem.
Que aquele que proclama o amor, deseje guerra e sangue. E o que colhe o sangue no campo de batalha, o que mais semeia o amor.
Que o casto e santo oculte em si o mais profano e sem pudor dos homens. Que o que diz obscenidades oculte a maior vergonha de si mesmo ou então tenha a mais pura inocência.
Que o que faz rir oculte a mais profunda tristeza. E o que nos causa tristeza, talvez permita a mais intensa alegria.
Que o que tudo dá nada tem. E o que nada tem, poderá sempre dar alguma coisa.
Que o que diz ser defensor da justiça pode ser primeiro a descer a espada da lei para ocultar seu ódio e desejo interior de sangue. Que o que defende o criminoso pode ser o único a estar do lado da justiça.
Que o mais novo já nasceu velho. E o mais velho, traga a esperança do novo.
Que o que encanta sempre, cause a mais profunda decepção. E o que sempre decepciona, traga o mais nobre encantamento.
Para encerrar, cito um pensamento do filósofo do porvir, daquele que não ainda não veio, Nietzsche:
“Há sempre uma razão na loucura e um pouco de loucura na razão”.
No teatro do mundo, sejamos um misto do louco de Suassuna e do prudente de Aristóteles.
A cada um de vocês alunos e a cada um de nós aqui presentes, a vida nos coloca e nos colocará o nosso carrinho de mão. Carreguemos! Andemos! Mas com a esperteza de virá-lo de ponta cabeça quando as pedras vierem.
Obrigado imensamente por todos esses anos juntos queridos alunos e alunas do 3ºA. Um carinhoso beijo no coração. Que cada um encontre o sucesso e a felicidade a seu modo, no seu tempo, do seu jeito.
1º Ano, vem que tem um “doido” a espera de vocês.