Cada doido com seu carrinho de mão
Dias atrás ouvia o saudoso Ariano
Suassuna e suas maravilhosas narrativas de vida, capazes de transformar o
ordinário em extraordinário, o singelo em profundo, o encontro em despedida.
Contava ele que seu pai, João Urbano de Vasconcelos Suassuna, então governador
da Paraíba, construiu um hospício com o nome de “Casa de Saúde Juliano Moreira”,
esse precursor no Brasil da chamada “Psicoterapia pelo trabalho”. No dia da
aula inaugural desse método de tratamento, surge uma fileira de “doidos”, cada
um transportando um carrinho de mão. No entanto, um dos pacientes arrastava sua
carriola de cabeça pra baixo. O pai de Ariano vai até ele, desvira a carriola e
diz “É assim que se carrega moço”. Ao que o “doido” respondeu: Eu sei doutor, é
que se eu fizer assim eles colocam pedra pra eu carregar”. “Gênio” concluiu
Suassuna numa deliciosa gargalhada.
Suassuna dizia admirar os loucos
porque “os doidos veem as coisas de um ponto de vista original”, sendo esta também
uma característica do escritor verdadeiro que não vai atrás do lugar comum, mas
procura o que tem de verdade por detrás da aparência. Ouso dizer com Antonio
Gramsci que sair do senso comum para buscar o bom senso ou o pensar crítico
próprio do filosofar é desafio de todo ser humano, de cada um aqui presente,
especialmente de vocês caros formandos. É preciso ser um pouco “doido” para ver
por detrás das aparências e perceber
Que o aluno mais inteligente da
sala pode ocultar profundas inseguranças diante da primeira queda.
Que o aluno com as maiores
fragilidades pode aprender a lidar com suas fraquezas e se tornar forte diante
das tormentas que a vida traz. E muitas virão!
Que o professor mais legal da
faculdade pode ser o que menos ensina. E aquele que todos desdenham e detestam
pode ser o que tem mais a oferecer.
Que o que diz ser o melhor amigo e
brinda sua saúde, pode não ser o mesmo que o ajudará a levantar quando vier a
primeira queda e a primeira lágrima.
Que a garota e o garoto mais
bonitos da sala também podem ser os mais arrogantes e, quem sabe, vazios.
Que a mais bela paisagem pode ser o
mais terrível deserto. Que o mais terrível deserto seja talvez a chance de ver
a mais bela paisagem.
Que aquele que proclama o amor,
deseje guerra e sangue. E o que colhe o sangue no campo de batalha, o que mais
semeia o amor.
Que o casto e santo oculte em si o mais
profano e sem pudor dos homens. Que o que diz obscenidades oculte a maior
vergonha de si mesmo ou então tenha a mais pura inocência.
Que o que faz rir oculte a mais
profunda tristeza. E o que nos causa tristeza, talvez permita a mais intensa
alegria.
Que o que tudo dá nada tem. E o que
nada tem, poderá sempre dar alguma coisa.
Que o que diz ser defensor da
justiça pode ser primeiro a descer a espada da lei para ocultar seu ódio e
desejo interior de sangue. Que o que defende o criminoso pode ser o único a
estar do lado da justiça.
Que o mais novo já nasceu velho. E
o mais velho, traga a esperança do novo.
Que o que encanta sempre, cause a
mais profunda decepção. E o que sempre decepciona, traga o mais nobre
encantamento.
Para encerrar, cito um pensamento
do filósofo do porvir, daquele que não ainda não veio, Nietzsche:
“Há sempre uma razão na loucura e
um pouco de loucura na razão”.
No teatro do mundo, sejamos um
misto do louco de Suassuna e do prudente de Aristóteles.
A cada um de vocês alunos e a cada
um de nós aqui presentes, a vida nos coloca e nos colocará o nosso carrinho de
mão. Carreguemos! Andemos! Mas com a esperteza de virá-lo de ponta cabeça
quando as pedras vierem.
Obrigado imensamente por todos
esses anos juntos queridos alunos e alunas do 3ºA. Um carinhoso beijo no
coração. Que cada um encontre o sucesso e a felicidade a seu modo,
no seu tempo, do seu jeito.
1º Ano, vem que tem um “doido” a espera
de vocês.
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